Disputa entre governo e Associação de Futebol Argentino (AFA) pela permissão de capital externo no futebol cresce com revogação de decreto para cobrar impostos dos clubes
Javier Milei, presidente da Argentina, revogou um decreto nesta terça-feira e derrubou os benefícios fiscais que os clubes do país tiveram nos últimos anos. O episódio é mais um da série de desavenças entre o governo e a Associação de Futebol Argentino (AFA), que brigam pela permissão da entrada de capital externo no futebol local com a entrada das Sociedades Anônimas Desportivas (SADs, similar às SAFs no Brasil).
O Diário Oficial recebe nesta terça-feira a revogação do DNU 510/2023, assinado por Alberto Fernández, ex-presidente da Argentina, no ano passado. O Decreto 1212/2003 vive um vai e vem no país. Ele garante um alívio fiscal aos clubes. Antes, em 2019, já havia sido revogado por Mauricio Macri, o que aumentou os impostos de 6% para 7,25% na vendas de bilhetes, transferências de jogadores e direitos televisivos.
A disputa não está só nos números. Além de governante do país, Macri também presidiu o Boca e tentou voltar ao cargo em 2023, mas perdeu para Juan Román Riquelme. Opositor do último presidente da Argentina, ele trocou farpas com Claudio “Chiqui” Tapia, presidente da AFA, sobre a suspensão dos rebaixamentos. Em 2024, ninguém cai no Campeonato Argentino.
O imposto aos clubes subiu para 7,5% com o passar dos anos. Em parceira com a AFA, o antigo governo da Argentina incluiu 75 categorias, incluindo divisões inferiores do futebol masculino e outras femininas. O refinanciamento – que permite empréstimos, financiamento e parcelamento – também foi liberado por Alberto Fernández e Sergio Massa, ex-ministro da Economia. O decreto cai, os benefícios caem, e os impostos devem aumentar.
Com a eleição de Javier Milei, o cenário mudou completamente para a AFA. O atual presidente da Argentina é a favor da entrada de Sociedades Anônimas no futebol, mas a organização é contra. Tirar os benefícios fiscais dos clubes é mais uma tentativa de Milei de forçar a entrada das SADs. Hoje, as equipes quase não pagam contribuições como Fundo Nacional de Emprego, Regime de Pensões e Abonos de Família.
Clubes de menor expressão e com menor poder aquisitivo em relação aos gigantes Boca Juniors e River Plate seriam duramente afetados pela decisão. Tapia seria afetado diretamente por também estar ligado ao Barracas Central, que disputa a elite do futebol argentino e não tem o destaque dos adversários. Chiqui presidiu o clube entre 2001 e 2020, sendo sucedido pelo seu filho, Matías.
Na última quinta-feira, as tensões entre a governo e organização cresceram. Claudio Tapia foi reeleito para mais um mandato na federação, até 2029. A chapa de Tapia era a única no pleito. A Inspeção-Geral da Justiça (IGJ) do país alegou que outros assuntos poderiam ser discutidos, como o balanço financeiro da AFA, mas que uma eventual eleição do presidente “não seria válida” e poderia até configurar crime.
– Vamos investigar a AFA. A Argentina é o berço do mundo, ou seja, daqui vêm os melhores jogadores de futebol do mundo e poderíamos ter uma liga local de muito melhor qualidade se não fossem os negócios duvidosos que a AFA tem feito – disse Milei ao Todo Noticias no último domingo.
A disputa não é recente. Em dezembro de 2023, o presidente publicou um decreto com uma série de mudanças para mudar a economia argentina. No pacote, previa-se a mudança da Lei Geral de Sociedades, de 1984, para permitir que as associações esportivas se tornem Sociedades Anônimas caso dois terços dos associados aprovem.
A AFA foi contra a medida de Milei, que respondeu. Em agosto, o presidente argentino decretou que “qualquer direito de uma organização desportiva não pode ser impedido, privado ou prejudicado em razão de sua forma jurídica, seja uma associação civil ou uma corporação, desde que seja reconhecido por lei”. A Fifa proíbe que qualquer governo intervenha no estatuto de uma federação, e a seleção pode ser punida.