Estão suspensas as medidas disciplinares contra jogadores que rescindam sem justa causa. Uma decisão passível de revolucionar o futebol e que levou O JOGO a ouvir Lúcio Correia, professor universitário de Direito do Desporto
A FIFA suspendeu a aplicação das normas relativas a eventuais infrações, por parte de jogadores, treinadores e clubes, das regras de transferências, nomeadamente no que diz respeito às cessações de contrato sem justa causa.
Uma medida que foi divulgada a partir de uma carta enviada pelo presidente do Comité Disciplinar da FIFA, Jorge Ivan Palacio, ao secretário-geral da entidade, Mattias Grafstrom, e que pode ter consequências relevantes a vários níveis, colocando-se mesmo a hipótese de os futebolistas poderem já rescindir sem justa causa, sem serem penalizados por isso.
Mais concretamente, os processos em causa dizem respeito à aplicação dos artigos 6.º e 17.º do Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores (RSTJ), que, por força da decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) podem ser contrários ao direito da União Europeia e ao princípio de livre circulação de jogadores profissionais de futebol.
A FIFA suspende, portanto, “quaisquer medidas disciplinares” contra “jogadores” e “treinadores” que eventualmente estejam em confronto com os referidos artigos em questão, o que poderá deixar em aberto, já na janela de janeiro de 2025, que os jogadores possam deixar os seus clubes sem justa causa, sem sofrerem sanções desportivas ou pagar indemnizações.
“Pode ser nefasto para os clubes dos campeonatos menos poderosos que os seus melhores jogadores, de um momento para o outro, possam rescindir de forma injustificada, sem sofrerem quaisquer sanções do ponto de vista desportivo e laboral. No meu entender, esta decisão é um terramoto para os clubes das ligas fora das bog five”, comenta Lúcio Correia, professor de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa, à conversa com O JOGO.
“Imagine que o Gyokeres, o Samu ou o Akturkoglu, por exemplo, decidem hoje, sem justa causa, resolver os respetivos contratos e, a partir de janeiro, inscrever-se por qualquer outro clube. Com a referida suspensão, que consequências poderão depois advir para jogadores e clubes com que celebrem novo contrato, quando estas normas estão agora suspensas? Existe neste momento uma suspensão, como foi descrito pelo presidente do Comité Disciplinar, mas na minha opinião terá que ser rapidamente criada uma norma transitória em relação a um novo regulamento de transferências. Isto para que não seja causado o caos durante este período transitório até à próxima janela de transferências, já em janeiro”, acrescentou o especialista em direito desportivo.
Segundo explica, perspetiva-se que em breve se iniciem “conversações entre a FIFA, representantes de jogadores, dos clubes e da própria Comissão Europeia, com o objetivo de se estabelecer um novo regulamento e novas soluções para este tipo de situações”. Até que tal aconteça, no entanto, fica aberto um vazio legal que poderá contribuir para perturbações significativas nos plantéis… com claro prejuízo para os clubes mais pequenos.
“Tem que ser criada uma norma transitória. Não se pode deixar isto num vazio”, acrescenta Lúcio Correia, lembrando que, com esta decisão hoje anunciada, “passam a permitir-se todas as cessações sem justa causa e sem qualquer sanção desportiva adequada”.
Correia não concorda. “E os direitos de cessação onde ficam? E o princípio da estabilidade contratual? Tem que ser criada uma norma transitória, senão ficamos numa selva. Este pode ser o primeiro acto de algo muito importante, mas terão que haver capítulos regulamentares posteriores”, acrescentou.